Esta noite, sonhei em inglês. Sem dúvida influenciado por um livro de John Berger que estou a ler no original, sonhei que estava a ser entrevistado por uma jornalista britânica que, a certa altura, me perguntava o que é que eu achava da voz e da maneira de cantar do Ian Curtis. Num inglês impecável, entre muitas outras considerações que não consigo recordar, afirmei que ele não cantava para as pessoas, nem sequer para si próprio, mas para procurar libertar a sua alma atormentada, mesmo sabendo que isso é impossível. Libertá-la de quê? Libertá-la da morte, claro, ou da ideia da morte, penso eu. É por isso, acrescentei, que naquela forma tão intensa e complexa de se entregar ao canto havia uma grande parte de revolta e um desejo de formular algo que nunca fora formulado. Aos meus olhos, pelo menos, havia nele uma vontade de superação, de si próprio e da própria vida.
No seu livro (Confabulations), John Berger escreve: “The essence of songs is neither vocal nor cerebral but organic”. No mesmo parágrafo, diz ainda: “We find ourselves inside a message”. É verdade para a maior parte dos casos, mas outros cantores, entre os quais Ian Curtis, vão muito para além da letra que cantam. Eles próprios são a mensagem, sabendo perfeitamente que a linguagem é demasiado pobre para comunicar o que sentem e o que são. De resto, muito provavelmente, não sabem bem o que sentem ou o que são, pelo que só a música e o canto podem exprimir a sua angústia. Como refere Berger: “…songs can express the inner experience of Being and Becoming”.
Isso explica, pelo menos em parte, julgo eu, porque é que certas vozes (estou a pensar na Cesária Évora, por exemplo, que John Berger evoca no seu livro) nos tocam tanto, nos comovem tanto, mesmo quando não compreendemos a língua em que se exprimem. Alguns cantores, digo eu, conseguem, por momentos, apoderar-se das nossas almas! Já agora, deixem-me que vos diga que sou dos que ligam muito pouco às letras (em geral, muito fracas), preferindo focar-me na musicalidade das palavras e dos corpos. É no corpo dos cantores, no seu rosto, nos seus olhos, nos seus gestos e postura, que a música e letra se transforma em arte.