Roland Barthes: "J'écris parce que je ne veux pas des mots que je trouve."
sexta-feira, 26 de outubro de 2018
terça-feira, 16 de outubro de 2018
Um sonho e muitas canções (para John Berger)
Esta noite, sonhei em inglês. Sem dúvida influenciado por um livro de John Berger que estou a ler no original, sonhei que estava a ser entrevistado por uma jornalista britânica que, a certa altura, me perguntava o que é que eu achava da voz e da maneira de cantar do Ian Curtis. Num inglês impecável, entre muitas outras considerações que não consigo recordar, afirmei que ele não cantava para as pessoas, nem sequer para si próprio, mas para procurar libertar a sua alma atormentada, mesmo sabendo que isso é impossível. Libertá-la de quê? Libertá-la da morte, claro, ou da ideia da morte, penso eu. É por isso, acrescentei, que naquela forma tão intensa e complexa de se entregar ao canto havia uma grande parte de revolta e um desejo de formular algo que nunca fora formulado. Aos meus olhos, pelo menos, havia nele uma vontade de superação, de si próprio e da própria vida.
No seu livro (Confabulations), John Berger escreve: “The essence of songs is neither vocal nor cerebral but organic”. No mesmo parágrafo, diz ainda: “We find ourselves inside a message”. É verdade para a maior parte dos casos, mas outros cantores, entre os quais Ian Curtis, vão muito para além da letra que cantam. Eles próprios são a mensagem, sabendo perfeitamente que a linguagem é demasiado pobre para comunicar o que sentem e o que são. De resto, muito provavelmente, não sabem bem o que sentem ou o que são, pelo que só a música e o canto podem exprimir a sua angústia. Como refere Berger: “…songs can express the inner experience of Being and Becoming”.
Isso explica, pelo menos em parte, julgo eu, porque é que certas vozes (estou a pensar na Cesária Évora, por exemplo, que John Berger evoca no seu livro) nos tocam tanto, nos comovem tanto, mesmo quando não compreendemos a língua em que se exprimem. Alguns cantores, digo eu, conseguem, por momentos, apoderar-se das nossas almas! Já agora, deixem-me que vos diga que sou dos que ligam muito pouco às letras (em geral, muito fracas), preferindo focar-me na musicalidade das palavras e dos corpos. É no corpo dos cantores, no seu rosto, nos seus olhos, nos seus gestos e postura, que a música e letra se transforma em arte.
Dos sonhos
Henri Michaux afirma: “Mais do que profundo, o sonho é múltiplo. O mínimo sonho tem raiz em cinquenta coisas diferentes e elos que partem em todas as direcções”. E diz ainda: “Mes rêves, j‘ai trop vite affirmé qu’ils étaient peu de chose. Certains ont des parties extraordinaires. Pourtant, l’impression que j’en retiens est de médiocrité”. Podia afirmar algo de muito parecido. Já tive sonhos magníficos, alguns muito belos e criativos mas, no geral, os meus sonhos são primários, banais ou assustadores. Nos meus sonhos, vezes demais, ando a fugir de perigos inomináveis e tenho de matar para não ser morto. Já matei umas boas dezenas de pessoas (de fantasmas?), geralmente com uma espada ou uma faca. Não me perguntem porquê. E também já morri, ou estive muito perto disso, demasiadas vezes. “En rêve, jamais je ne rêve”, assegura Michaux.
Da leitura
Como autor, acho que o mais fascinante de um livro é, talvez, aquilo que ele me esconde. Por outro lado, o que procuro nos livros dos outros é, muitas vezes, aquilo que só eu poderia lá encontrar. Revelações sobre mim próprio, vislumbres do que eu poderia ter sido, restos do que fui e tinha esquecido. Os livros que mais gozo me dão são, naturalmente, aqueles que eu gostaria de ter escrito. Aqueles que “escrevo” à medida que os vou lendo.
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