domingo, 15 de setembro de 2019

Coisas de Verão



Confissão

Tenho algum prazer em ser um autor menor. De resto, somo todos menores; sobretudo os que se julgam o máximo.

Do lugar-comum

Cultivo o lugar-comum como um bem precioso. Com a tentar de um jardineiro. Aos meus olhos, um lugar-comum é um bom lugar.

Da fotografia


Para ver bem é preciso tempo. É preciso vagar. É preciso ver e rever. Voltar mais do que uma vez aos mesmos locais é, muitas vezes, essencial para um fotógrafo.
Dito isto, a essência da fotografia, para mim, é ser misteriosa, na medida em que o que quer que seja que procure manifestar, o seu 'objecto' permanece invariavelmente por revelar. O segredo de qualquer fotografia depende sempre mais de quem a vê do que de quem a tirou.
Enquanto fotógrafo, o que procuro está para além da fotografia. É algo que não pode ser registado e isso é, precisamente o que faz o seu valor aos meus olhos. Pois o que queremos e não conseguimos obter ou lograr - o poder que não temos - é, talvez, o que melhor nos define.

Do olhar

Vê e aprende.
O olhar carrega-se
Como outra arma qualquer.

Das imagens

Cuidado: algumas imagens
Podem queimar.
Fogo ao preço da chuva
Para quem sabe ver.

Do olhar

Escrevo com o olhar
Tudo o que sinto.

O prazer é imenso.
O triunfo mínimo.

Da viagem

Resistir é inútil
Quando o caminho nos chama.

Da morte

O que evitamos
Não se desaparece
Nunca.

Escuta bem:
Sem paixão
A morte mata-nos.


segunda-feira, 22 de julho de 2019

Silêncio


Abri o caderno
E as palavras caíram
Uma a uma no silêncio.

Mais devagar


Abre os olhos
E cala-te.
A desordem é permanente.

Nesta pátria ingrata
Onde estás sempre
Longe de casa

O teu corpo é abismo.
Uma ideia destruindo-se
A si própria.

quinta-feira, 13 de junho de 2019

Dos deuses

Os deuses que deixaram de o ser
São os únicos que me interessam

Dos sonhos

Sonhos desfeitos? A expressão é redundante: os sonhos são sempre desfeitos.

Confissão

Um poema aqui, uma foto ali, um aforismo mais adiante. O destino que escolhi é este:; entre a filosofia, a poesia e a fotografia.

quarta-feira, 12 de junho de 2019

Da poesia

Os poetas são loucos:
tomam por verdadeiros
os jardins que inventam

segunda-feira, 18 de março de 2019

Aforismo


We are all broken children on an adult mission.

quinta-feira, 14 de março de 2019

Enquanto a minha mãe me batia


As pancadas doíam
como palavras
que eu ouvia
com o corpo todo
e a dor que sentia mudava
o meu rosto para sempre.
Com o credo na boca
eu sentia o mundo lá fora
procurando respostas
nas minhas lágrimas
não sabendo nada
não podia dizer nada
nem havia nada para dizer
e muito menos para saber
e quando tudo acabou
não acabou
pelo que corri como pude
até à beira do lago
à procura de uma explicação
naquela escuridão diurna
dizendo para mim mesmo:
amanhã vou fugir com aquele amor
com que sonhei no outro dia
e a poesia vai andar comigo
até chegarmos a algum lado.

O que eu tenho dito



O que tenho dito é que a poesia
já conheceu melhores dias
porque já ninguém parece ouvir
v e r d a d e i r a m e n t e
o combate que as palavras travam.

O que tenho dito é que 
já ninguém parece perceber
que a luz que o vento traz
e o vento que a luz traz
são sentimentos diferentes.

Tudo passa


Porque tudo passa por nós
e nós passamos por tudo

tudo nos encerra num corpo
que não nada retém.

Isto para já não falar da noite
e de tudo o que nos combate.

Nome


No meu nome
o teu nome
e no teu nome
o nosso nome 

é um anjo.

Lá vamos nós


lá vamos nós
num barco de papel
sonho acima

como se o mundo fosse
um rio de luz
e o vento estivesse de feição

vejo o teu sorriso luminoso
como um poema mesmo ao meu lado
nem pensar em voltar

O que sobra



Caminho pela neve
alvíssima do caderno
com versos brancos 
e passo apressado.

A vida é um sonho
demasiado breve
e a verdade perde-se
logo no princípio.

A janela convida
a olhar o mundo.
A mudar a cidade
a emendar o poema.

O que sobra é o resto:
o vento à procura do vento
e esta esperança que carrega
comigo às costas.

Uma lição de poesia


Ontem o  céu deu-me uma lição
De poesia. Pôs-se muito vermelho
Depois liquefez-se e por fim libertou-me
Da angústia que todo o dia sentira.

Das árvores


É raro mas acontece:
as árvores do parque
juntarem esforços
para me fazer feliz.

Migalhas


Como os passarinhos, vivo de migalhas.
Uma fotografia aqui, um verso ali, um beijo acolá.
A vida é um festim para quem tem gostos simples.

Da poesia


Todo e qualquer poema
Corre o perigo de se apagar.
Sem leitores, não há poesia.

quarta-feira, 13 de março de 2019

Ficção rápida


Amava a mulher com uma paixão melancólica. Havia muita tristeza no amor que lhe tinha. Por vezes, quando faziam amor, as lágrimas vinham-lhe aos olhos. A mulher admirava-se: «Porque estás a chorar?». Ele sabia que devia responder: «É de felicidade». Porém, não era capaz de mentir. Um dia, a mulher apaixonou-se por outro. Tal como ele esperava.

Arquivo do blogue