Só as pessoas aborrecidas se aborrecem, diz-se. E eu digo-o também, convencido de que nunca me aborreço. Ou melhor, de que raramente me aborreço. De resto, não sou eu que me aborreço, são os outros que me aborrecem. Isto é: só me aborreço na companhia de alguém aborrecido, incapaz de me interessar pelo que está a dizer. Os tagarelas, os fala-barato, os que não me deixam ir embora, esses é que me aborrecem. Ou seja, se por vezes me aborreço, é porque sou demasiado bem-educado.
Em O Prazer do Texto, Roland Barthes afirma que o aborrecimento não é simples. Na verdade, a frase completa diz: “Não há nada a fazer, o aborrecimento não é simples”. Não há nada a fazer! Aqui está: as pessoas aborrecem-se geralmente quando não há nada a fazer, quando não há nada para fazer. Mas há sempre algo a fazer. Pensar, por exemplo. Ou imaginar, que é outra forma, mais livre, mais solta, de pensar. As pessoas inteligentes, imaginativas, não se aborrecem com facilidade. “E então Baudelaire?”
, perguntarão. Sim, parece que Baudelaire se aborrecia por vezes, ele que não pode ser acusado de falta de inteligência, ou de imaginação. É por isso, digo eu, que Barthes tem razão: esta questão do aborrecimento tem muito que se lhe diga. Embora eu tenha a maior dificuldade em o conceber, talvez ele tenha razão quando assegura: “O aborrecimento não está longe da fruição: é a fruição vista das margens do prazer”.
A frase é bonita, sedutora e parece certeira, sem dúvida, mas que quer ele realmente dizer com isto? Confesso a minha confusão. Contudo, apetece glosá-lo e escrever: A morte não está longe da vida: é a vida vista das margens do Letes.
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