segunda-feira, 18 de março de 2019
quinta-feira, 14 de março de 2019
Enquanto a minha mãe me batia
As pancadas doíam
como palavras
que eu ouvia
com o corpo todo
e a dor que sentia mudava
o meu rosto para sempre.
Com o credo na boca
eu sentia o mundo lá fora
procurando respostas
nas minhas lágrimas
não sabendo nada
não podia dizer nada
nem havia nada para dizer
e muito menos para saber
e quando tudo acabou
não acabou
pelo que corri como pude
até à beira do lago
à procura de uma explicação
naquela escuridão diurna
dizendo para mim mesmo:
amanhã vou fugir com aquele amor
com que sonhei no outro dia
e a poesia vai andar comigo
até chegarmos a algum lado.
O que eu tenho dito
O que tenho dito é que a poesia
já conheceu melhores dias
porque já ninguém parece ouvir
v e r d a d e i r a m e n t e
o combate que as palavras travam.
O que tenho dito é que
já ninguém parece perceber
que a luz que o vento traz
e o vento que a luz traz
são sentimentos diferentes.
Tudo passa
Porque tudo passa por nós
e nós passamos por tudo
tudo nos encerra num corpo
que não nada retém.
Isto para já não falar da noite
e de tudo o que nos combate.
Lá vamos nós
lá vamos nós
num barco de papel
sonho acima
como se o mundo fosse
um rio de luz
e o vento estivesse de feição
vejo o teu sorriso luminoso
como um poema mesmo ao meu lado
nem pensar em voltar
O que sobra
Caminho pela neve
alvíssima do caderno
com versos brancos
e passo apressado.
A vida é um sonho
demasiado breve
e a verdade perde-se
logo no princípio.
A janela convida
a olhar o mundo.
A mudar a cidade
a emendar o poema.
O que sobra é o resto:
o vento à procura do vento
e esta esperança que carrega
comigo às costas.
Uma lição de poesia
Ontem o céu deu-me uma lição
De poesia. Pôs-se muito vermelho
Depois liquefez-se e por fim libertou-me
Da angústia que todo o dia sentira.
Migalhas
Como os passarinhos, vivo de migalhas.
Uma fotografia aqui, um verso ali, um beijo acolá.
A vida é um festim para quem tem gostos simples.
quarta-feira, 13 de março de 2019
Ficção rápida
Amava a mulher com uma paixão melancólica. Havia muita tristeza no amor que lhe tinha. Por vezes, quando faziam amor, as lágrimas vinham-lhe aos olhos. A mulher admirava-se: «Porque estás a chorar?». Ele sabia que devia responder: «É de felicidade». Porém, não era capaz de mentir. Um dia, a mulher apaixonou-se por outro. Tal como ele esperava.
Da fotografia
“But I think that’s where the mystery of the picture comes from—that tension, from the impossibility of that happening while trying as much as you can to make it happen. I also think that every artist has one story they’re telling. Whoever the photographer is, that’s a constant, because it’s who they are. It’s their history, it’s their trauma, it’s their desire, it’s their fascination, it’s their terror. “
Gregory Crewdson
Poema Nº 347
Uma sombra
Que é uma ruína.
Na casa vazia
Está
Mais solidão
Menos solidão
Entre mortos e feridos
Ninguém há-de escapar.
Dito e feito
Se ele vier, dir-lhe-ei: “Sabes? Tenho medo”. Não sei se antes, ou depois de o dizer, soltarei um grito, para logo em seguida sorrir, não vá ele pensar que não sei lidar com o medo. Quer dizer, eu tenho realmente medo, mas não quero que ele fique com ideias. Quero que fique na dúvida, que não tenha a certeza. Porquê? Porque no fundo isso não lhe diz respeito. O meu medo não lhe diz respeito. Nem a ele, nem a ninguém.
Dito isto, acredito que ele virá. Que acabará por vir. Digo-o a mim mesmo, uma e outra vez: “Ele virá”. E, no meu íntimo, suplico: “Vem, por favor, vem”.
Um grito, portanto.
Um grito é mais do que um sinal. Um grito é uma palavra riscada. Uma palavra enorme, que não se consegue perceber muito bem.
Em certas circunstâncias, um grito é a palavra certa. A única possível. Ainda que riscada, ainda que incompreensível.
Ainda que um grito não queira dizer nada, dizendo tudo, o meu grito, o grito que ainda não soltei, talvez não passe de um sonho mau. Talvez eu não precise que ele venha, talvez eu não precise de gritar.
Talvez.
Dito isto, por vezes, acredito ver coisas. Ver coisas que não existem, quero dizer. Por vezes, parece-me que consigo ver o que nunca existiu. Não estou a falar de sonhos, mas da vida real. Seja lá o que isso for.
Enfim as coisas são como são. Embora por vezes não sejam. Por vezes, as coisas são bem diferentes do que julgamos, ou do que desejamos. Por vezes, não, muitas vezes.
Agora que penso nisso, no fundo, tenho usado as palavras como imagens. Como diria Wittgenstein: “Se um leão pudesse falar, não o poderíamos entender”.
Na sombra do quarto, neste momento, vejo uma luz branca. Uma mancha, melhor dizendo. Algo assim como um desenho no chão. Iluminado pelas minhas palavras.
Não acreditam?
Salta à vista!
Talvez acreditem nisto: sou um caçador de imagens: tudo o que não quero ver, vejo. Não tinha que vos contar isto, mas é assim: o meu olhar desenha palavras iluminadas em tudo o que vejo. Palavras e sombras. Mesmo na escuridão.
Ou seja:
A situação é mais ou menos esta: deixo o meu olhar deambular pelo quarto e, de repente, vejo a imagem de uma palavra iluminada no chão. Uma mancha, como uma palavra, iluminada, mas suja. Chega a ser embaraçoso.
Não.
Agora que o disse, vejo-o de outra maneira. Vejo a tal mancha no chão, iluminada como uma palavra. E que palavra é essa? Não consigo vê-lo com exactidão. Vejam só. Não é engraçado?
Sendo assim, tenho que me perguntar: o que me aconteceu? Se foi um sonho é um enigma e um enigma “não tem de ter solução” (dizia Wittgenstein que, como já perceberam, espero, estou a ler, ou a tresler melhor dizendo).
Resumindo: o que resta são, talvez, as palavras que eu digo para mim mesmo. Estas palavras, esta música triste que só eu ouço. E mesmo assim.
Ou então: a finalidade desta história é colocar-me diante dos olhos aquilo que acontece quando nada me pode esclarecer.
Quanto à tal palavra, tenho-a debaixo da língua, isso eu sei. E essa palavra, que até uma criança seria capaz de entender, eu esqueci o seu significado, embora a conheça muito bem.
Como é que se pode esquecer algo que sempre se soube? É uma boa pergunta, evidentemente, mas adiante. A bem da história, suponhamos que essa palavra é “inessencial”. Uma palavra que, convenhamos, mete medo. Pelo menos a mim mete-me medo, e escuso de dizer porquê.
Ou seja, o medo não desapareceu, apesar de não querer confessá-lo, nem a mim próprio porque é próprio do medo, de um grande medo, ser insuportável.
Está, pois, na altura de eu perguntar a mim próprio: Estarei louco?
Viro a cara e atiro para o ar a seguinte pergunta: E se eu virasse rapidamente a página para parar esta linha de pensamento?
Dito e feito. Como disse alguém, bem mais esperto do que eu, é nas fendas, nas lacunas, nos defeitos e nos silêncios de qualquer texto que está o mais importante. É aí que é preciso procurar a luz que o iluminará. Por isso, prossigamos, pois escrever é viver e trata-se de avançar à medida que o caminho se vai abrindo à nossa frente, porque as respostas para todas as nossas inquietações só podem estar lá mais para a frente. Sempre.
Chegado a este ponto, tenho que reconhecer que se publicasse este texto isso confirmaria a minha loucura, pois quem no seu perfeito juízo quereria dar de si próprio uma imagem tão degradante?
Por isso, acreditem ou não, vou dizê-lo: não passo de um gajo que vê coisas que não existem.
Sim, ponhamos as coisas neste pé. E fiquemos por aqui. Por enquanto. Até ver.
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