quarta-feira, 13 de março de 2019

Dito e feito


Se ele vier, dir-lhe-ei: “Sabes? Tenho medo”. Não sei se antes, ou depois de o dizer, soltarei um grito, para logo em seguida sorrir, não vá ele pensar que não sei lidar com o medo. Quer dizer, eu tenho realmente medo, mas não quero que ele fique com ideias. Quero que fique na dúvida, que não tenha a certeza. Porquê? Porque no fundo isso não lhe diz respeito. O meu medo não lhe diz respeito. Nem a ele, nem a ninguém.
Dito isto, acredito que ele virá. Que acabará por vir. Digo-o a mim mesmo, uma e outra vez: “Ele virá”. E, no meu íntimo, suplico: “Vem, por favor, vem”.

Um grito, portanto. 
Um grito é mais do que um sinal. Um grito é uma palavra riscada. Uma palavra enorme, que não se consegue perceber muito bem.
Em certas circunstâncias, um grito é a palavra certa. A única possível. Ainda que riscada, ainda que incompreensível.
  
Ainda que um grito não queira dizer nada, dizendo tudo, o meu grito, o grito que ainda não soltei, talvez não passe de um sonho mau. Talvez eu não precise que ele venha, talvez eu não precise de gritar.
Talvez.

Dito isto, por vezes, acredito ver coisas. Ver coisas que não existem, quero dizer. Por vezes, parece-me que consigo ver o que nunca existiu. Não estou a falar de sonhos, mas da vida real. Seja lá o que isso for.

Enfim as coisas são como são. Embora por vezes não sejam. Por vezes, as coisas são bem diferentes do que julgamos, ou do que desejamos. Por vezes, não, muitas vezes.

Agora que penso nisso, no fundo, tenho usado as palavras como imagens. Como diria Wittgenstein: “Se um leão pudesse falar, não o poderíamos entender”.

Na sombra do quarto, neste momento, vejo uma luz branca. Uma mancha, melhor dizendo. Algo assim como um desenho no chão. Iluminado pelas minhas palavras. 
Não acreditam? 
Salta à vista!

Talvez acreditem nisto: sou um caçador de imagens: tudo o que não quero ver, vejo. Não tinha que vos contar isto, mas é assim: o meu olhar desenha palavras iluminadas em tudo o que vejo. Palavras e sombras. Mesmo na escuridão.
Ou seja: 

A situação é mais ou menos esta: deixo o meu olhar deambular pelo quarto e, de repente, vejo a imagem de uma palavra iluminada no chão. Uma mancha, como uma palavra, iluminada, mas suja. Chega a ser embaraçoso.

Não. 

Agora que o disse, vejo-o de outra maneira. Vejo a tal mancha no chão, iluminada como uma palavra.  E que palavra é essa? Não consigo vê-lo com exactidão. Vejam só. Não é engraçado?
Sendo assim, tenho que me perguntar: o que me aconteceu? Se foi um sonho é um enigma e um enigma “não tem de ter solução” (dizia Wittgenstein que, como já perceberam, espero, estou a ler, ou a tresler melhor dizendo).

Resumindo: o que resta são, talvez, as palavras que eu digo para mim mesmo. Estas palavras, esta música triste que só eu ouço. E mesmo assim.
Ou então: a finalidade desta história é colocar-me diante dos olhos aquilo que acontece quando nada me pode esclarecer. 

Quanto à tal palavra, tenho-a debaixo da língua, isso eu sei. E essa palavra, que até uma criança seria capaz de entender, eu esqueci o seu significado, embora a conheça muito bem.
Como é que se pode esquecer algo que sempre se soube? É uma boa pergunta, evidentemente, mas adiante.  A bem da história, suponhamos que essa palavra é “inessencial”. Uma palavra que, convenhamos, mete medo. Pelo menos a mim mete-me medo, e escuso de dizer porquê. 
Ou seja, o medo não desapareceu, apesar de não querer confessá-lo, nem a mim próprio porque é próprio do medo, de um grande medo, ser insuportável. 

Está, pois, na altura de eu perguntar a mim próprio:  Estarei louco? 
Viro a cara e atiro para o ar a seguinte pergunta: E se eu virasse rapidamente a página para parar esta linha de pensamento?

Dito e feito. Como disse alguém, bem mais esperto do que eu, é nas fendas, nas lacunas, nos defeitos e nos silêncios de qualquer texto que está o mais importante. É aí que é preciso procurar a luz que o iluminará. Por isso, prossigamos, pois escrever é viver e trata-se de avançar à medida que o caminho se vai abrindo à nossa frente, porque as respostas para todas as nossas inquietações só podem estar lá mais para a frente. Sempre.

Chegado a este ponto, tenho que reconhecer que se publicasse este texto isso confirmaria a minha loucura, pois quem no seu perfeito juízo quereria dar de si próprio uma imagem tão degradante?
Por isso, acreditem ou não, vou dizê-lo: não passo de um gajo que vê coisas que não existem. 
Sim, ponhamos as coisas neste pé. E fiquemos por aqui. Por enquanto. Até ver.



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