Um amigo enviou-me há dias uma fotografia de quando tínhamos ambos 20 anos. Lembro-me perfeitamente daquele dia e das circunstâncias em que nos encontrávamos, mas não consigo reconhecer-me naquele puto magricela que é suposto ser eu. É claro que não sou; a imagem é a de um sonho que um dia tive, entre milhares de outros. Como se sabe, não chegamos nunca sermos nós próprios; não passamos todos de um projecto que está eternamente ainda no início e já à beira do fim.
(...)
Como teria eu tempo de pensar, se tudo o que vejo se desvanece imediatamente? Se tudo o que sinto me moe tanto? Se até o amor é uma ameaça?
Não me peçam para ser inteligente; procurar ser corajoso consome-me toda a energia que ainda me resta.
Não me peçam para ser lúcido, quando ninguém o é.
Em suma: se alguma vez fui aquele rapaz da fotografia, decerto a minha vida ainda não tinha começado. De resto, as feições já quase desapareceram completamente da imagem. Só ali vejo um fantasma, não me digam que sou eu.
No fundo, só serei aquele rapaz da fotografia, quando ambos tivermos desaparecido, ela e eu.
quinta-feira, 11 de março de 2010
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1 comentário:
isto dói de ser verdade.
beijo
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