terça-feira, 25 de maio de 2010

Da morte


Durante muitos anos, Elias Canetti dedicou uma ou duas horas por dia a pensar e escrever sobre a sua pior inimiga: a morte. Como já aqui referi noutra ocasião, o Círculo de Leitores de Espanha editou recentemente um livro que reúne muitos dos seus apontamentos sobre o tema. A obra, intitulada, Libro de los muertos, reúne notas redigidas entre 1942 e 1988. Aproveitei a minha passagem por Maiorca para adquirir o livro, onde Canetti lembra que nem Deus tem o poder de salvar da morte um único homem. Por isso, na sua opinião, ela faz de nós escravos.
A certa altura, o escritor recorda, porém: «A maldição de ter que morrer deve ser transformada numa bênção: a de poder morrer quando viver se torna insuportável». Num outro momento, afirma que cada um de nós deveria poder ficar para sempre com a idade que escolhesse. É uma ideia que já me tinha atravessado a cabeça. Mas que idade escolheria eu? Já pensei muito no assunto para apenas concluir: a resposta não é fácil, cada idade tem as suas vantagens e inconvenientes. Por exemplo: sei que a maior parte das pessoas não compreenderá isto, mas prefiro ter 60 anos do que voltar a ter 20 e desaprender tudo o que aprendi entretanto.
O Libro de los muertos, que estou a ler muito devagarinho, suscita-me os mais diversos pensamentos e, claro, traz-me à memória muitos desaparecidos: nomeadamente os meus avós, o meu pai e o meu irmão que morreu prematuramente. Cheguei assim à conclusão que os «meus» mortos são-me preciosos, pois ajudam-me a viver. Não é por acaso que sonho tantas vezes com eles. Por isso, digo: as recordações são-nos tão necessárias como o oxigénio e a alimentação. Nenhum homem saberia o que fazer sem memória.

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