Estou numa esplanada e vista daqui, da sombra, a cidade parece-me sobreexposta. A luz é tanta e tão crua que quase não consigo distinguir o que se passa no passeio em frente. No entanto, a esplanada está quase em cima da rua. Os carros passam mesmo ao nosso lado e o seu escape chega a confundir-se com o fumo dos cigarros das três raparigas que cacarejam na mesa ao lado da minha.
Uma delas, de vez em quando, observa-me de soslaio. Apetece-me dizer-lhe: «A imagem que vês, vê-te». Não sei rigorosamente nada dela, mas percebo que ainda não tem trinta anos e que se veste como se quisesse fazer crer que tem mais dinheiro do que na realidade tem. Curiosamente, as unhas, muito compridas, estão pintadas de azul-bebé, a mesma cor da t-shirt que traz vestida. Pergunto a mim próprio se tem muita roupa daquela cor ou se vai pintando constantemente as unhas conforme o que veste.
Nunca saberei o que ela pensa de mim, quando me observa. Por isso, digo a mim próprio: «Somos imagens sem conteúdo. Quem nos vê, empresta-nos algo que não temos. Só Deus sabe quem somos».
Um tal pensamento faz-me sorrir, mas é, muito provavelmente, um sorriso amarelo. Como eu gostava de ser mais inteligente, mais profundo, e ter pensamentos mais elaborados e originais!
Dito isto, concebo perfeitamente a ideia de passar a eternidade a relembrar a minha vida nos seus mais ínfimos detalhes. Concluo: «Só um tempo sem fim permitiria procurar esgotar completamente a soma de tudo o que vivi e pensei até hoje».
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