Um pássaro percorre uma biblioteca em desordem. Pousa em cada livro, interroga o seu silêncio, ouve-o com atenção. Pensa: «Há árvores dissimuladas em cada um deles, as flores estão secas e a brisa não corre, mas não me enganam: qualquer coisa foi escrita a meu respeito e não foi gentil. Não terei repouso enquanto não descobrir o que dizem sobre mim os textos antigos. O que procuro não são pensamentos, nem uemoções, mas uma razão válida para continuar a viver. Nem mais nem menos.»
Os livros são videntes. Quando os sabemos ler, os mais felizes são capazes de nos transportar. Outros escondem-se bem, estão na sua, é preciso acordá-los de mansinho.
Também há livros que sabem mentir, quando é preciso. A maior parte das vezes, mascaram-se de romances, calam-se, não se confiam de mão beijada. São tão dissimulados que há quem os considere terroristas.
E depois há outros abençoados. Iluminados. Capazes de prodigalizarem a graça e o perdão. Porém, são raros e sempre inesperados.
«Há muitos tipos de livros», pensa o pássaro, que os quer percorrer a todos (mesmo que isso seja impossível). Porque há qualquer coisa que ele não sabe, e parece-lhe vital descobrir a razão por que vai ter de pagar, com a sua própria vida, tanta ignorância e tanto sofrimento.
quinta-feira, 30 de agosto de 2012
quarta-feira, 29 de agosto de 2012
Do envelhecimento
Peter Solterdijk diz: «É preciso envelhecer para perceber verdadeiramente o que se passa no mundo». Eu digo: «À medida que envelhecemos, vamos paulatinamente saindo do mundo. Ninguém me tinha dito que seria assim. É um processo lento que se vai acentuando com os anos. Um dia, dás por ti a libertar-te das coisas, de certas ideias, de certas pessoas e, sobretudo, do que os outros pensam de ti. Ao mesmo tempo, o absurdo desta sociedade torna-se cada vez mais gritante e (esta é a maior surpresa) começas a ter pena dos jovens, por não verem o que tu vês, por não perceberem o que os espera. É deveras irónico: os jovens têm pena dos velhos (quando não os desprezam, pura e simplesmente) e os velhos pagam-lhes na mesma moeda.»
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quarta-feira, 15 de agosto de 2012
quarta-feira, 8 de agosto de 2012
Tarefas infinitas
Ainda a propósito das exposição Tarefas Infinitas, apetece-me acrescentar:
Um livro não é um mero objeto. É, com frequência, uma porta aberta para outra dimensão. Quando se mergulha num livro, tudo pode acontecer. Podemos até ser rejeitados. Ou tão completamente aspirados, que o nosso mundo habitual desaparece. Ou se expande, como o universo. Por isso se diz que um livro pode ser infinito. Mas atenção, também há livros que não passam de um amontoado de papel.
O comissário desta exposição, escolheu livros que são obras de arte e também obras de arte que se podem ler como um livro. Também lá encontramos pinturas, fotografias, filmes e instalações. Diz Paulo Pires do Vale: «Esta exposição não é de livros e muito menos de livros de artista». E acrescenta que é «como um ensaio porque não propõe conclusões, nem fecha um debate».
Parece evidente que, com esta exposição, Paulo Pires quis ensaiar coisas. Ensaiar, por exemplo, pôr em cena o seu amor pelos livros. Ou por certos livros, se preferirem. Quis confrontar-se com uma ideia, abrir novas pistas a si próprio e aos outros. Pensar e pôr-nos a pensar na nossa relação com os livros, com a arte, com o pensamento.
Não tenho visto muitas exposições que me dessem tanta vontade de voltar a vê-las.
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segunda-feira, 6 de agosto de 2012
Tarefas infinitas
Está neste momento na Gulbenkian (e aí permanecerá até 21 de Outubro), uma exposição que recomendo. Intitula-se Tarefas Infinitas e tem como subtítulo «Quando a arte e o livro se ilimitam».Gostei do que vi e também dos textos do comissário da exposição, Paulo Pires do Vale que, a certa altura escreve: «… o livro abre uma obscuridade essencial. A dos novos começos». Numa outra ocasião tem esta outra expressão muito feliz: «Entre as mãos abre-se uma fenda.» E é assim mesmo, é como ele diz: «As leituras cruzam-se criando novos sentidos. Abrem-se estadas, propõem-se passeios e deambulações. O livro exige de nós tempo». Por fim, Paulo Pires assevera com grande convicção: «Os livros são perigosos: ateiam-nos fogo.» Nem todos, acrescentaria eu, só os que valem a pena. E o mesmo se pode dizer das exposições: algumas ardem e ficam a arder em nós.
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domingo, 5 de agosto de 2012
sábado, 4 de agosto de 2012
quinta-feira, 2 de agosto de 2012
Da morte
«A ideia da morte persegue o meu pensamento, como a sombra o meu corpo; e quanto mais forte a alegria, a luz, mais a sombra é negra.»
André Gide, Diários, 1920
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