Um pássaro percorre uma biblioteca em desordem. Pousa em cada livro, interroga o seu silêncio, ouve-o com atenção. Pensa: «Há árvores dissimuladas em cada um deles, as flores estão secas e a brisa não corre, mas não me enganam: qualquer coisa foi escrita a meu respeito e não foi gentil. Não terei repouso enquanto não descobrir o que dizem sobre mim os textos antigos. O que procuro não são pensamentos, nem uemoções, mas uma razão válida para continuar a viver. Nem mais nem menos.»
Os livros são videntes. Quando os sabemos ler, os mais felizes são capazes de nos transportar. Outros escondem-se bem, estão na sua, é preciso acordá-los de mansinho.
Também há livros que sabem mentir, quando é preciso. A maior parte das vezes, mascaram-se de romances, calam-se, não se confiam de mão beijada. São tão dissimulados que há quem os considere terroristas.
E depois há outros abençoados. Iluminados. Capazes de prodigalizarem a graça e o perdão. Porém, são raros e sempre inesperados.
«Há muitos tipos de livros», pensa o pássaro, que os quer percorrer a todos (mesmo que isso seja impossível). Porque há qualquer coisa que ele não sabe, e parece-lhe vital descobrir a razão por que vai ter de pagar, com a sua própria vida, tanta ignorância e tanto sofrimento.
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