quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Da fotografia



Acabo de ler Image Makers, Image Takers, um volumoso livro editado pela Thames & Hudson. Subintitulado «The essential guide to photography by those in the know», o livro consiste numa colectânea de entrevistas a fotógrafos e editores de fotografia. A entrevistadora, Anne-Celine Jaeger, optou por colocar a todos mais ou menos as mesmas questões. O que me deu a ideia de me confrontar com as suas perguntas. Eis o resultado.

Quando é que decidiu tornar-se um fotógrafo?
Recordo o momento exacto: foi em 1974. Estava há cinco anos em França quando, um belo dia, recebi a notícia de que tinha havido uma revolução em Portugal. Comprei uma Nikon FM preta, com uma lente de 50mm 1.4, a pensar no meu regresso a Lisboa. Não ia ficar em Portugal (só voltei definitivamente em 1976) e queria tirar fotografias de tudo e de todos.

E hoje, como vê a fotografia?
Por causa do seu lado «mágico», é muito fácil ficar viciado na fotografia. Mas, na minha opinião, ninguém se torna fotógrafo de um dia para o outro, mesmo se, actualmente, toda a gente tira fotografias. Por mim, só considero fotógrafos as pessoas obcecadas pelas possibilidades do que estão a fazer.

Está, pois, obcecado pela fotografia?
Sem dúvida. Tanto pelo acto de fotografar, como pelas próprias máquinas em si, para já não falar das lentes. Um fotógrafo é também um coleccionador. De imagens e de artefactos. Ora, como se sabe, nenhuma colecção tem fim.

Tem muitas máquinas?
Neste momento, a funcionar, apenas seis. Quatro digitais e duas analógicas

Faz fotografias há mais de 35 anos. Consegue calcular quantas fotografias já fez?
Impossível sabê-lo. De resto, rasguei, ou apaguei, a maior parte das minhas fotografias. Guardo apenas as fotos que fazem justice ao que vi e senti no momento de as tirar.

Continua a usar máquinas analógicas?
Muito raramente. Tenho a nostalgia da época do filme, sem dúvida, mas as máquinas digitais são hoje muito melhores do que as digitais, de todos os pontos de vista.

Sendo as máquinas actuais tão boas, acha que os conhecimentos técnicos ainda são determinantes para tirar uma boa fotografia?
Depende do que se quer. No meu caso, não. Não quero fazer arte, nem quero ser aclamado pelo mundo. Tudo o que pretendo é calar este bicho dentro de mim. Ou, pelo menos, acalmar esta fome insaciável de ver e sentir o que me rodeia. Sou o fotógrafo mais associal do mundo e o menos preocupado com a perfeição. Privilegio acima de tudo a espontaneidade, a frescura, a autenticidade. Tudo palavras que soam hoje terrivelmente anacrónicas, para não dizer pirosas.

Está sempre a tirar fotos?
Não. Mas acontece-me, muitas vezes, lamentar amargamente não ter comigo uma máquina.

Como é que decide que uma coisa merece ser fotografada?
Na verdade acho que tudo, absolutamente tudo, merece ser fotografado. Mas acabo por fotografar apenas as coisas e as pessoas que se impõem a mim.

Impõem como?
Isso gostava eu de saber. É algo intuitivo, irracional. De repente, um pormenor, um rosto ou uma situação chamam a minha atenção. Na verdade, só fotografamos pormenores. Quando apontamos uma máquina ao mundo é para saber porquê. Em vão o questionamos: o mundo gosta de manter os seus segredos. Uma fotografia não é uma resposta para o que quer que seja. As fotografias limitam-se a levantar questões. Aliás, há muito que deixei de procurar respostas seja para o que for. Alimento-me exclusivamente de novas perguntas.

Onde vai buscar a inspiração?
Ao mundo. Não há nada mais inspirador do que o mundo. Tudo o que vejo me inspira.

O que torna uma foto melhor do que outra?
Nenhuma foto é melhor do que outra. Há apenas fotos que te dizem mais do que outras, por uma razão qualquer. As fotos não falam da mesma maneira a toda a gente. Uma foto que não te diz nada a ti, pode representar tudo para mim. Acredito, no entanto, que há fotografias, ou conjuntos de fotografias, que têm a força e a universalidade de uma sinfonia de Beethoven ou de um poema de Rimbaud. O que lhes confere esse poder? Verdadeiramente, só Deus sabe.

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