domingo, 27 de março de 2011

As Cores da Infâmia


Quando o romance saiu, creio que em 1999, As Cores da Infâmia, foi objecto de salientes artigos na generalidade da imprensa francesa. Do «Le Monde» ao «Magazine Littéraire», passando pelo «Libération» e o «Nouvel Observateur», todos fizeram questão de entrevistar o autor e de lhe tecer os mais rasgados elogios. Uma consagração tardia para um escritor que lutava já contra o cancro na garganta que o mataria alguns anos mais tarde (faleceu em 2008).
Diz-se de alguns autores que ao longo da vida não fazem senão escrever o mesmo livro, uma e outra e outra vez ainda. É um pouco o caso de Albert Cossery, como sabem os leitores dos seus outros livros (todos publicados entre nós pela Antígona). Em As Cores da Infâmia voltamos a encontrar o cenário habitual dos seus romances (uma Cairo amorosamente ficcionada) e personalidades já familiares pois, para Cossery, as histórias não são senão belos pretextos para que as personagens exprimam ideias muito particulares sobre a nossa sociedade, que ele reputa de absolutamente patética e absurda, corrompida por falsos valores e opressões de toda a ordem.
É, pois, bastante fácil resumir a trama de As Cores da Infâmia. Ossama, a personagem principal é «um ladrão passavelmente fútil, mais preocupado com o lado divertido e incerto da aventura do que com os benefícios financeiros». Um dia, apropria-se de uma carteira bem recheada e fica assim, por acaso, na posse de uma carta altamente comprometedora para um empreiteiro sem escrúpulos (um dos seus edifícios ruiu, matando todos os seus moradores) e o irmão de um ministro, seu cúmplice na desonestidade. Sem saber o que fazer com tão «explosivo» documento, Ossama acaba por pedir ajuda a Nimr, o seu velho mestre na arte de aliviar o próximo, que por sua vez o leva ao cemitério, para conhecer Karamallah, um jornalista-filósofo que lá vive, recolhido do mundo, convencido de que «o único tempo precioso é o que o homem consagra à reflexão». O desfecho de tão burlesco enredo é tão divertido como inesperado.
A sucinta mas sumarenta narrativa lê-se de uma penada e com grande proveito, mais que não seja pelos sentenças que vamos colhendo pelo caminho. Por exemplo: «Não há nada de mais imoral do que roubar sem riscos. É o risco que nos diferencia dos banqueiros e dos seus émulos que praticam o roubo legalizado com a cobertura do governo». Ou esta outra: «O banditismo nas altas esferas é uma peripécia admitida em todas as nações do mundo. O povo já está habituado e até aplaude esse género de proezas». E finalmente: «A verdade não tem nenhum futuro, ao passo que a mentira é portadora de grandes esperanças».Quem, como Cossery, gosta de contemplar o caos em que vive o mundo, convencido que «neste mundo nada é trágico para um homem inteligente», encontrará neste livro bastos motivos de deleite.

1 comentário:

Fernanda Fróes disse...

Acabei de ler esse livro. Considero um dos mais interessantes que já li nestes ultimos anos. Vale a pena msm ler!

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