segunda-feira, 31 de maio de 2010

Da morte

O actor, realizador e fotógrafo americano Dennis Hopper morreu no passado dia 29 na Califórnia, em consequência de um cancro da próstata, que se espalhou aos ossos. O lendário protagonista de Easy Rider tinha 74 anos. Ontem faleceu a artista plástica Louise Bourgeois, aos 99 anos. Era famosa pelas suas gigantescas aranhas em ferro que representavam a maternidade. Apetece citar o escritor alemão Schiller (1759-1805), que nos últimos dias da sua vida, quando já estava gravemente enfermo, declarou: «A morte não deve ser um mal, pois é algo tão generalizado».

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Confidência

De dia, procurando fundas correntes.
À noite, fugindo da sua inclemência.

terça-feira, 25 de maio de 2010

Poema

Sozinho em cena.
Estou.
Agora.
Com esta vocação impura.
Ateia.
Sou um viajante
Que encontrou os seus limites.
Um cantor à espera
De se transformar em cisne.

Proposta para um novo ditado popular

Como a minha sorte, a minha morte.

Da morte


Durante muitos anos, Elias Canetti dedicou uma ou duas horas por dia a pensar e escrever sobre a sua pior inimiga: a morte. Como já aqui referi noutra ocasião, o Círculo de Leitores de Espanha editou recentemente um livro que reúne muitos dos seus apontamentos sobre o tema. A obra, intitulada, Libro de los muertos, reúne notas redigidas entre 1942 e 1988. Aproveitei a minha passagem por Maiorca para adquirir o livro, onde Canetti lembra que nem Deus tem o poder de salvar da morte um único homem. Por isso, na sua opinião, ela faz de nós escravos.
A certa altura, o escritor recorda, porém: «A maldição de ter que morrer deve ser transformada numa bênção: a de poder morrer quando viver se torna insuportável». Num outro momento, afirma que cada um de nós deveria poder ficar para sempre com a idade que escolhesse. É uma ideia que já me tinha atravessado a cabeça. Mas que idade escolheria eu? Já pensei muito no assunto para apenas concluir: a resposta não é fácil, cada idade tem as suas vantagens e inconvenientes. Por exemplo: sei que a maior parte das pessoas não compreenderá isto, mas prefiro ter 60 anos do que voltar a ter 20 e desaprender tudo o que aprendi entretanto.
O Libro de los muertos, que estou a ler muito devagarinho, suscita-me os mais diversos pensamentos e, claro, traz-me à memória muitos desaparecidos: nomeadamente os meus avós, o meu pai e o meu irmão que morreu prematuramente. Cheguei assim à conclusão que os «meus» mortos são-me preciosos, pois ajudam-me a viver. Não é por acaso que sonho tantas vezes com eles. Por isso, digo: as recordações são-nos tão necessárias como o oxigénio e a alimentação. Nenhum homem saberia o que fazer sem memória.

domingo, 23 de maio de 2010

Da literatura

A literatura é a arte de visitar criativamente a memória.

Do amor

Amamos porque queremos que nos amem. Como poderíamos nós amarmo-nos se ninguém nos amasse?

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Ao pé de casa

Porque se diz «tirar uma foto»? As fotos não se tiram, impõem-se a nós.

Linha de Água (novos poemas)

Enquanto mexo o café,

Os cheiros da terra

Invadem os meus pensamentos.

Ouço dizer : as águas cantam

Tristezas profundas

Numa ânsia de segredos

A que ninguém é alheio.

Esquecido do tempo,

Procuro ouvir no vento

Os rumores mais sábios.

***

Ouço o esvoaçar de um pássaro ao longe.

Ouço as flores, ouço as nuvens e pergunto :

«O verdadeiro amor é humilde ou efémero?».

***

O calor transforma o silêncio

Num jardim feminino.

Para exclusivo prazer

Da minha imaginação.

***

A poesia é uma voz insistente,

Partida ao meio.

De um lado está o tempo,

Do outro, a alma.

***

Sentado nesta esplanada

Sinto-me um marinheiro sem mar,

Procurando um novo mundo

Do outro lado da avenida.

***

Esperando que a sombra me ilumine,

Recordo histórias inverosímeis.

E penso: nas asas de uma borboleta

Está toda a poesia que precisamos.

***

Eis como vejo este momento:

Como um jardim

Que posso segurar numa mão.

A minha solidão é apenas

Uma parte da minha vasta obra.

E todos os meus poemas me perturbam

Mais do que saberia dizer.

***

Atrás do vidro, num café,

Escuto o silêncio das flores

Que a todo o momento

Espero ver incendiarem o meu caderno.

***

Ei-lo, o lago.

Um olho no rosto fulgurante

Da cidade.

Tudo nele é conforme ao meu desejo,

Menos o excesso de ruído.

De bom grado calaria

Estas aves, o rumor animal do vento

E esta voz interior que insiste:

«Num poema,

O que morre primeiro

São as palavras».

Sem palavras

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Pobre Portugal

Títulos dos diários de hoje:

Desemprego bate recorde com 592 mil sem trabalho

Desemprego: 105 mil portugueses ficaram sem trabalho num ano

Escutas desmentem Sócrates

Sócrates contrata 12 motoristas

Governo “não hesitará em manter as medidas até 2013 se for preciso”

Bancos denunciam subida das operações de lavagem de dinheiro

domingo, 16 de maio de 2010

LX Factory (open day)

sábado, 15 de maio de 2010

Poema


Em todos os lados,

E em lugar nenhum, vejo

O absurdo desta núvem,

Que sou eu próprio.

Maiorca


Maiorca




Miró


A semana passada, visitei os ateliers de Miró em Palma Maiorca. Não foi fácil dar com aquilo. Ninguém parecia saber onde ficava a Fundação Pilar I Joan Miró e só à terceira tentaiva conseguimos dar com o local. Valeu a pena a insistência. O museu abriga vários quadros e esculturas interessantes, assim como uma apaixonante exposição temporária intitulada «Contra El Público - Democracia» com instalações de vários artistas de vanguarda.
Gostei especialmente de visitar os ateliers de Miró. O primeiro foi construído em 1956 pelo arquitecto Josep Lluís Sert, amigo íntimo de Miró. Lá dentro, para além de várias obras sobre cavaletes, encontram-se muitos objectos pessoais. pedrinhas, conchas, figuras de barro artesanais, etc., para além de pincéis, brochas, trapos e um sem fim de tubos de pintura.
O segundo atelier, onde se chega através de um jardim com uma vista magnífica para o mar, encontra-se numa casa típica maiorquina do século XVII, construída em pedra. É um edíficio magnífico, cujo rés-do-chão está coberto por fantásticos grafittis de Miró. Alguns desenhos têm nomes: «Femme et oiseau», «Objets dans le calme», «Personnage dans la nuit»... No chão estão manchas de tinta, que evocam irresistivelmente os seus quadros.
Quem for a Maiorca não deve perder a visita.

terça-feira, 4 de maio de 2010

O ofício de viver

Releio O Ofício de Viver sem entusiasmo. Os problemas e os interesses de Cesare Pavese raramente coincidem com os meus. Mas como em todos os escritos íntimos, vou recolhendo pérolas de sabedoria, aqui e ali. Eis algumas:

«Agimos sempre no sentido do destino»

«A força da indiferença! – é ela que tem permitido às pedras permanecerem imutáveis durante milhões de anos.»

«Um bom começo seria modificar o nosso passado».

«Antes de nascer, estávamos todos mortos».

«Nunca esquecer que, por baixo de tudo, o homem está nu».

«Sofrer é sempre culpa nossa».

«… a vida é dor e o amor correspondido um analgésico, e quem desejaria acordar no meio de uma operação?»

«Se é verdade que nos habituamos à dor, como é que, com a passagem dos anos, sofremos cada vez mais?»

«E acima de tudo, ter presente que fazer poesia é como fazer amor: nunca se saberá se a nossa alegria é partilhada».

«A recompensa por termos sofrido tanto é, depois, morrermos como cães».

Da cultura


Não acredito numa cultura de escravos. A verdadeira cultura é a da revolta.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Life During Wartime


Todd Solondz é, para muitos, um cineasta irritante. A sua misantropia e o seu humor (muito negro) incomodam. Eu tenho por ele uma ternura especial. Mesmo se alguns afirmam que faltam aos seus argumentos, espessura e credibilidade, eu permito-me afirmar que ninguém inventa personagens tão ludicamente disfuncionais. São quase caricaturas, mas é nas caricaturas que está, muitas vezes, a verdade escondida das pessoas. Desde Happiness (1998) que penso assim e Life During Wartime (uma espécie de sequela de Happiness), que ontem vi no Indie só veio confirmar essa impressão.
O sentido de derrisão de Solondz é completamente judeu. Nenhum outro povo está tão obcecado pela questão da culpa e do perdão, que é o grande tema deste filme sobre um pai pedófilo (um «monstro» que sabe que o é) e uma família inteira marcada por esse estigma. Entre as muitas questões morais e existenciais que o filme levanta, retive sobretudo esta: «Vale mais perdoar uma ofensa que não conseguimos esquecer ou esquecer simplesmente essa ofensa em vez de a perdoar?» A maior parte das pessoas nem sequer compreende a questão. Não é para elas que este filme foi feito.

domingo, 2 de maio de 2010

A feira do lixo

A feira do livro está cada vez mais feira. Fui lá hoje e parecia que estava num centro comercial em dia de saldos. Havia gente por todo o lado e imensas criancinhas. Este ano multiplicaram as atracções para elas, os consumidores de amanhã.
Os livros de poesia, ninguém lhes pega, estão em saldo (uma excelente antologia do Juan Luís Panero vale 2,50 euros na Relógio d’Água). Os livros da treta, em contrapartida, estão em alta, tomaram conta de quase todas as barraquinhas.
Contei pelo menos 30 escritores a dar autógrafos. O marketing tomou conta da feira, acho que foi a última vez que lá pus os pés!

1º de Maio

Uma aparelhagem debitava, aos berros, Bob Marley e Zeca Afonso. Os precários e a malta dos recibos verdes marcaram encontro no Camões. Não apareceu quase ninguém. Estavam lá os organizadores, os seus amigos e alguns turistas tresmalhados a tentarem perceber o que se passava. Os revoltados ficaram todos a dormir. Andaram nos copos até às tantas, não conseguiram levantar-se a horas para ir à manif, que estava marcada para a uma. Mas valeu a pena passar por lá: alguns cartazes conseguiram arrancar-me um sorriso.

1º de Maio (continuação)





1º de Maio (continuação)





1º de Maio





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