sábado, 27 de fevereiro de 2010

Pensamento do dia

O mais importante não é nunca o que dizemos, mas o que devíamos dizer.

A espada de Damôcles






«A espada de Damôcles pairando sobre o deus das corridas», Antoine Dubost (1769-1825)

Há muitas versões desta história, mas a que prefiro é a de Cícero, que passo a resumir.
Dionísio (que viveu entre 432 e 367 a.c.) foi tirano de Siracusa durante quarenta e dois anos, tendo chegado ao poder aos vinte e cinco anos. Para sua protecção arranjou uma guarda pessoal formada por escravos que retirou aos grandes senhores. Cícero descreve-os como bárbaros ferozes.
Paranóico, Dionísio ensinou as filhas a barbeá-lo para que nenhuma lâmina se aproximasse do seu pescoço.
O seu quarto estava rodeado por um fosso, à maneira dos castelos. Quando ia para a cama, içava a ponte levadiça para que ninguém pudesse incomodá-lo.
Um dia, quis jogar à bola (o que adorava fazer) e confiou a sua espada a um jovem de que gostava muito. Um familiar admirou-se: «O quê? Confiaste -lhe a tua vida?». Como o jovem em questão sorriu com a observação, Dionísio mandou-os matar aos dois.
Damôcles passava a vida a invejar o luxo de que o tirano vivia rodeado. Um dia, Dionísio perguntou-lhe se gostaria de viver como ele. Como este respondeu que sim, Dionísio colocou-o num leito de ouro, coberto pelas melhores e mais finas tapeçarias. Depois mandou que os seus escravos mais bonitos estivessem atentos aos seus mínimos desejos.
O quarto cheirava maravilhosamente e nas mesas estavam as iguarias mais sofisticadas. Mas, mesmo por cima de Damôcles, Dionísio pendurara uma enorme espada, presa ao tecto por um pêlo arrancado à cauda de um cavalo.
A espada podia cair a todo o momento e Damôcles não conseguiu ter prazer com nada; passou o tempo a implorar o tirano que o deixasse sair dali. «É assim que vivo», assegurou Dionísio.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Zona crítica



«Nous nous rendons l'adversité plus lourde par la peur quand elle va venir et par le chagrin quand elle est là; mais nous préferons blâmer la nature plutôr que de condamner notre erreur».
Cicéron, Le Bonheur Dépend de l'Âme Seule

A felicidade só depende da alma


«... l'attitute la plus digne d'un homme libre est de regarder, sans rien gagner, de même dans la vie, la contemplation et la connaissance des choses l'emportent de beaucoup sur tous les autres travaux»
Cícéron, Le Bonheur Dépend de l'Âme Seule

Gripe A (Benfica hoje)


quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

A single man











É Tom Ford, um grande nome da moda, que assina este A Single Man, cuja história se passa nos anos 60. Adaptação de um romance de Christopher Isherwood, o filme centra-se na figura de um professor universitário, homossexual, que acaba de perder o grande amor da sua vida num acidente de automóvel, e que perde o gosto de viver por causa disso.
A casa onde vive, toda envidraçada, é como o próprio filme: de um requinte inegável. Este esteticismo levado ao extremo é, aos meus olhos, um dos grandes problemas de A Single Man, que encontrou no protagonista (o actor Colin Firth) o seu principal trunfo. Não é por acaso que ele é um dos favoritos para ganhar o Óscar de melhor actor.
Também Julianne Moore, num breve papel secundário, deslumbra pela sua interpretação.
Quanto ao resto, estamos conversados : há belos adolescentes, olhares lânguidos e algumas cenas de nu masculinas, como não podia deixar de ser. Em todas as cenas predomina, contudo, uma excessiva preocupação em filmar de maneira original. Ford quer, a todo o custo, deslumbrar. Nem sempre, contudo, as cores saturadas ou esbatidas, assim como os grandes planos de detalhes dos rostos, funcionam bem. Para mais, o previsível final não ajuda nada!

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Nikita Mikhalkov

O cineasta russo Nikita Mikhalkov numa entrevista à Inrockuptibles: «O mundo parece-se cada vez mais com a “boutade” genial de Woody Allen: “Tirei um curso de leitura rápida e pude ler Guerra e Paz em vinte minutos: fala da Rússia”. Hoje vai-se à Internet e tem-se um resumo da Anna Karenina em cinco linhas. (…) Um artista precisa de “perder tempo” para se encontrar».

Da idade da alma

Estava a ver mais um episódio de Mad Men, uma série televisiva de que gosto muito, quando, de repente, uma personagem (uma rapariga muito jovem) diz para o amante (um homem já maduro): «Não importa a idade que tenho, as nossas almas têm a mesma idade». «É isso mesmo», pensei, «as almas não têm idade».

Enigma

Um poeta anglo-saxão do século XVI considerava que um túmulo é «uma casa sem janelas». Mais ou menos na mesma época, um ditado espanhol dizia: «O espelho é o cu do diabo». Não vêem a relação? Eu vejo.

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Baixa hoje


«A un oeil moderne, l'image semble à la limite de la fiction»
Alberto Manguel: Le Livre d'Images

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Caravaggio


Claro, já tinha visto reproduções. Possuo até em casa um livro que reúne a totalidade das obras de Caravaggio. Mas nunca tinha estado em presença dos seus quadros. Por isso, quando uma bela tarde deste mês de Fevereiro, deparei com o seu «David e Golias» na Villa Borghese, fiquei absolutamente siderado. Ao vivo, o quadro tem a força de um murro no estômago.

David segura pelos cabelos a cabeça degolada de Golias, que tem os olhos e a boca horrivelmente abertos. O jovem adulto olha para o homem que acabou de matar quase com pena. Apesar de segurar uma espada na mão direita, o seu olhar é doce.

Não sei se sabem, mas este Golias é o próprio artista. O quadro foi pintado propositadamente para oferecer ao Papa, pois com ele o pintor queria fazer-se perdoar um crime hediondo (matou um homem numa rixa absurda). O facto de se ter colocado no lugar do degolado é visto como um sinal do seu arrependimento. E o Papa assim o entendeu, porque perdoou. Infelizmente, o pintor já não pôde regressar a Roma, tendo falecido entretanto (a 18 de Julho de 1610, aos 37 anos).

Se adorei este «David e Golias», gostei ainda mais do outro quadro de Caravaggio presente na Villa Borghese: «A Madona com a Serpente».

Nesta obra vemos a Virgem segurar no menino (já quase adolescente) sob o olhar atento de santa Ana. Jesus está nu e pisa o pé da mãe que por sua vez pisa uma cobra que se contorce sob a pressão. O simbolismo é evidente (conhecemos o significado da cobra na Bíblia e no imaginário da época), mas a mistura de ingenuidade angelical (divina?) que se desprende das duas figuras principais contrasta com a forte carga erótica representada pelo contacto dos pés nus, o pronunciado decote da virgem e a pilinha bem em evidência do seu filho.

Aos olhos de Caravaggio, Maria representava «a» mulher, todas as mulheres. Para a representar , o irreverente pintor escolhia geralmente meretrizes, como no quadro que acabo de descrever.

Caravaggio era de resto um «rufia», conhecido por procurar brigas, frequentar o submundo e andar com armas proibidas por lei. Esteve preso por diversas vezes e, como já disse, viria a assassinar um homem (no dia 29 de Maio de 1606), pelo que teve de fugir de Itália e viver exilado até ao fim dos seus dias.

Dois dias depois de ter estado na Villa Borghese (sem dúvida um dos museus mais bonitos do mundo), encontrei no Palácio dos Conservadores mais dois belíssimos quadros de Caravaggio: um representando uma «vidente» que lê a palma da mão a um jovem fidalgo, sendo o outro um retrato de São João Baptista (Caravaggio pintou pelo menos três retratos do santo).

O primeiro destes dois quadros é um tratado de malícia. Fingindo ler a sina do jovem fidalgo (persumo que seja fidalgo por causa das roupas que enverga), a sorridente e sedutora rapariga está na realidade a roubar-lhe um anel.
Também o São João Baptista à guarda dos Museus Capitolinos é um adolescente, ou um muito jovem adulto, se preferirem. Este quase nu, numa pose que sem ser lasciva pode ser considerada provocadora. Por causa deste tipo de retratos, muitos comentadores asseguram que Caravaggio era homossexual ou, no mínimo, bissexual.

Uma coisa é certa: durante a minha estadia em Roma, fiquei tão obcecado pelo Caravaggio que fui à procura de todos os seus quadros espalhados pela cidade.

Na galeria Doria Pamphilj, encontrei mais duas obras admiráveis: «Descanso na fuga para o Egipto» e «Madalena penitente». As obras estão lado a lado e salta à vista que, em ambas, a mulher é a mesma. Até a posição do rosto e expressão são idênticas. Também neste caso se diz que o modelo terá sido uma prostituta.
O «Descanso na fuga para o Egipto» é uma obra de juventude. É mais luminoso e alegre que as obras posteriores, mas já tem pormenores geniais. O modo como José descansa os pés, um em cima do outro, por exemplo, e a nudez do anjo que está de costas para nós, tocando violino de olhos fechados inflamam a nossa imaginação. Também Maria e o menino têm os olhos fechados, sem dúvida para apreciar melhor a música, como eu costumo fazer.
Para além de José que segura a pauta pela qual o anjo lê, só o burro tem os olhos abertos. Está lá atrás, meio escondido atrás de um arbustro, como um mirone, talvez perguntando a si próprio porque será que a sua voz nunca chegará ao céu.

Na Igreja S. Luís dos Franceses, a dois passos do Panteão, estão três pinturas do mestre do «claro-escuro» (como alguns lhe chamam), que evocam três fases da vida de São Mateus. Ornam as paredes de uma capela e só se podem ver ao longe, em más condições.
Gostei especialmente do quadro intitulado «A Vocação de S. Mateus», onde Jesus Cristo irrompe na sala onde se encontra o cobrador de impostos. A luz que ilumina os diversos rostos, e muito em particular a um jovem que tem um chapéu com uma pluma na cabeça, empresta à cena um encanto indescritível. Neste, como noutros quadros, Caravaggio usa a luz como um fotógrafo. Faz sempre com que ela incida sobre o que, na sua opinião, importa registar. O que não interessa fica na sombra ou na escuridão.

No Palácio Barberini, está o quadro que mais queria ver: «Judite e Holofernes» (na foto).

Talvez se recordem que a bela Judite seduziu um general inimigo, cujas tropas cercavam a cidade onde vivia, organizando um banquete em sua honra. Quando ele adormeceu, já bêbado, ela degolou-o com a ajuda de uma criada e expôs a sua cabeça nas muralhas da cidade, conseguindo assim que o exército inimigo debandasse.

Este episódio sangrento inspirou muitos artistas, e dado o gosto de Caravaggio pela violência, o tema só podia inspirá-lo. A obra tem uma força estonteante. Dificilmente esquecerei a espada atravessada no pescoço daquele homem barbudo, cujo grito mudo quase consegui ouvir dentro de mim. Qualquer dos três rostos em cena é brutal: o da vítima, entre o espanto e a agonia, o da criada carregado de ódio e, sobretudo, o de Judite com um olhar onde se mesclam a determinação e o nojo, mas também (será impressão minha?) um quase imperceptível prazer sádico. Direi mesmo que, pelo menos aos meus olhos, este é de todos as obras de Caravaggio que conheço, a mais poderosamente «erotizada».

A seu lado, um belíssimo «Narciso» (outra das suas obras emblemáticas), quase passa despercebida.

P.S. - Este fim-de-semana inaugura em Roma uma exposição que reúne 24 obras-primas de Michelangelo Merisi (Caravaggio era o nome da sua aldeia natal, que ele adoptou como nome artístico). A mostra celebra o quarto centenário da sua morte e estará no Palácio de Quirinal até dia 13 de Junho. Atenção: o Museu já fez saber que mesmo antes de abrir a exposição já 50 mil pessoas tinham reservado uma entrada. Telefone: 0039 06 39967500. Site: www.scuderiequirinale.it.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Séneca

A um tirano que ameaçou matá-lo e deixá-lo sem sepultura, o filósofo Teodoro, um contemporâneo de Sócrates, lançou: «Podes dar-te a esse luxo, esses decilitros de sangue estão ao teu alcance, mas não passas de um idiota se julgas que me importo de apodrecer em cima da terra ou debaixo dela».

A história é contada por Séneca que, para além de filósofo, era um grande contador de histórias. Acabo de reler vários textos seus com muito prazer e não resisto a contar outro episódio por ele evocado: Um dia, Calígula deu um raspanete a Valerius Asiaticus, em plena assembleia, porque tinha ido para a cama com a mulher dele e ficara desiludido.

São vários e terríveis os episódios em que Séneca evoca Calígula, mas também cita figuras mais edificantes. De Zenão, por exemplo, conta que tendo perdido todos os seus haveres num naufrágio, se limitou a dizer: «A fortuna quis que eu ficasse mais leve para me dedicar à filosofia».

Quanto às considerações políticas de Séneca, continuam actualíssimas, como poderão comprovar nesta frase retirada de Da Tranquilidade da Alma: «… a ambição política, incapaz de se limitar, vai ao ponto de se deslumbrar na vergonha».

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Natureza morta (ready-made)


A foto é minha e reproduz a montra de uma tasca na baixa, mas aproveito para recordar que está patente na Gulbenkian, desde o passado dia 12 de Fevereiro, uma exposição intitulada «A Perspectiva das Coisas. A Natureza-morta na Europa». Pode ser vista na Galeria de Exposições Temporárias da Sede, das 10 às 18h, de Terça a Domingo.
Esta primeira parte está dedicada aos Séculos XVII-XVIII. A produção dos séculos XIX e XX será exibida mais tarde, entre 20 de Outubro de 2011 e 8 de Janeiro de 2012.

Pensamento do dia

A vida era melhor quando alguns deuses ainda se dignavam viver entre nós.

Metropolis


As versões que conhecíamos do mítico filme de Fritz Lang estão todas mutiladas. Tanto os distribuidores alemães como os americanos retalharam completamente a obra original, estreada em 1927, que tinha 150 minutos. Em 2008, porém, descobriu-se na Argentina uma cópia em 16 mm com 146 minutos de duração. Foi essa cópia que o canal Arte passou no dia 12, ao mesmo tempo que o filme era projectado num ecrã gigante colocado em frente da Porta de Brandeburgo em Berlim, para duas mil pessoas que não se importaram de gelar para assistir ao evento.
As cenas agora recuperadas representam quase um quarto do filme, tal como o conhecíamos, e permitem apreender a história tal como a concebeu o seu criador.
Seria pedir muito que alguém trouxesse esta nova cópia a Portugal?

sábado, 13 de fevereiro de 2010

Pura realidade

Ouvido ontem no autocarro: «Sabes como é que se abre a minha máquina de lavar? Com um saca-rolhas. Estou a falar a sério!».

Três janelas

Dois rostos

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Duas túnicas romanas


Apontamentos para uma história futura


Era uma vez um país onde a linguagem e os espelhos nunca chegaram a ser inventados, porque ninguém sentia necessidade de tal coisa.
Nesse país, as chamadas belas artes cabiam às mulheres e a música aos homens.
E era assim que comunicavam: elas através de desenhos e pinturas, eles cantando ou tocando algum instrumento.

Como não havia espelhos, as mulheres desenhavam-se umas às outras, mas só dentro do círculo familiar. Por isso, ninguém era feio.

Os homens não estavam muito interessados em conhecer o seu aspecto, interessava-lhes sobretudo saber como soavam, pois os melhores músicos eram os melhores partidos.

Já as mulheres mais cobiçadas pelos homens eram, geralmente, as que desenhavam pior, vá-se lá saber porquê.

Embora pudessem desenhar, os homens raramente se atreviam a fazê-lo. Quanto às mulheres, só relutantemente cantavam. Contudo, para chamar alguém tinham que o fazer, porque o nome das pessoas era uma melodia.

As mulheres encarregavam-se da arquitectura e da decoração, e os homens da filosofia e das leis, que eram muito poucas e aplicadas apenas com trocas de olhar ou caretas de reprovação.

Pássaros

Lambreta

Macaco

Gaivota

Solidões


«Uma fotografia é um segredo sobre um segredo», dizia Diane Arbus. «Quanto mais ela diz, menos nós sabemos».

Roma ainda (e para sempre)

Mais histórias de Roma


Baixa Hoje

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Árvores

Nocturnos romanos









Arquivo do blogue