quinta-feira, 31 de março de 2011

Ao mesmo tempo


«Se a leitura me cativou como projecto, primeiro como leitora e depois como escritora, foi como uma extensão das minhas simpatias por outros eus, outros domínios, outros sonhos, outras palavras, outros territórios de interesse
A frase é de Susan Sontag e encontra-se no livro Ao Mesmo Tempo, recentemente editado pela Quetzal.
Mais à frente, ela afirma: «As palavras têm significado. As palavras apontam. São setas. Setas espetadas na pele dura da realidade. E quanto mais portentosas, mais gerais forem as palavras, mais se assemelham a salas ou túneis. Podem expandir-se ou desabar. Pode impregná-las o mau cheiro».
Há poucas experiências tão gratificantes como ler um grande livro. Ao Mesmo tempo é dessa ordem: tão admirável e envolvente que fiquei com imensa pena de chegar ao fim.
Editado postumamente, o livro reúne 16 conferências e curtos ensaios publicados nos últimos anos da sua vida. Nesse sentido, é um livro triste. Mas tão intenso que, frequentemente, senti a cabeça a arder.
Uma boa parte das páginas é dedicada a escritores que ela admirava: Pasternak, Rilke, Dostoievski e Coetzee, mas também autores menos conhecidos (Leonid Tsipkin, Anna Banti, Victor Serge e Halldor Laxness, nomeadamente). O seu amor por essas leituras é altamente contagiante e, claro, fiquei com vontade, ou melhor, com a necessidade imperiosa de ler todos os títulos que ela refere. A saber: Verão en Baden-Baden, de Leonid Tsipkin; Artemisia, de Anna Banti; O Mestre de Petersburgo, de Coetzee; L’Affaire Toulaev, de Victor Serge; Under the Glacier, de Halldor Laxness; Dom Casmurro, de Machado de Assis (quase tenho vergonha de confessar que ainda não li).
Noutros textos, Sontag reflecte sobre temas como a beleza, a liberdade, as traduções, a paz e a fotografia, com ideias tão penetrantes e convincentes que me fizeram sentir quão pequenino e limitado sou. De qualquer modo, as suas ideias mexem (profundamente) comigo. Por isso, este foi um daqueles livros que sublinhei abundantemente. E, como já disse noutra ocasião, sublinhar é a forma silenciosa que alguns leitores usam para aplaudir.
De resto, poucas vezes ouvi análises tão pertinentes e incisivas sobre a política norte-americana e acontecimentos como o 11 de Setembro ou a Guerra do Iraque. Para quem se interessa por política actual, estes ensaios deveriam ser, a meu ver, absolutamente obrigatórios.
Não restisto, aliás, a citar a passagem em que ela escreve: «Há algum tempo que deixou de existir qualquer diferença significativa entre democratas e republicanos; será melhor vê-los como dois ramos do mesmo partido.» Exactamente o mesmo que se poderia dizer do PS e do PSD!
Que falta (me) faz Susan Sontag!

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