quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Da escrita



«Nunca comecei um livro que não acabasse», escreve Marguerite Duras com visível orgulho. Quase dá vontade de rir. Duras casou com a literatura como outras casaram com Deus. É uma freira da escrita. Uma freira lasciva e frustrada, que acabou viúva de si própria.
Acabei de (re)ler Écrire e não percebo como pude gostar tanto do livro da primeira vez que o li (há muitos anos). Pelo facto de ser escritora, ela pensa ser melhor que os outros, estar mais perto do segredo da vida. Imagino-a a escrever em cima de um pedestal. Um pouco como o António Melo Antunes que acaba de lançar um novo romance e se multiplica em entrevistas onde explode a cada frase a sua incomensurável vaidade. E quanto mais modesto pretende mostrar-se, mais inchado fica.
Por sorte, encontrei há dias na Fnac um Kafka que ainda não tinha lido: Cahiers in-octavo (1916-1918). Uma colecção de oito cadernos escolares, entre o diário e o caderno de rascunhos, com um excelente prefácio (assinado por um tal Pierre Deshusses) que termina comparando o escritor com um aluno «que aprende a viver porque sabe que vai morrer». E «que aprende a escrever porque sabe que essa é a sua vida».

1 comentário:

Anónimo disse...

"E quanto mais modesto pretende mostrar-se, mais inchado fica."

É... Quando um lobo quer ser armar-se em raposa, faz uma figura triste. E quando, ainda por cima, passa a vida a disfarçar a coleira com pedrarias, a ver se pega...

"um aluno «que aprende a viver porque sabe que vai morrer»."
A frase justa.

E «que aprende a escrever porque sabe que essa é a sua vida».
Que remédio... Não o deixam viver em mais lado nenhum!

Ou haverá, em tudo isto, um equívoco?

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