quinta-feira, 4 de novembro de 2010

O peixinho vermelho

Um dia decidi comprar um peixinho vermelho para oferecer à minha filha. Evidentemente, tive que comprar também um aquário e optei por um globo de vidro. Para casa, levei ainda umas pedrinhas, para pôr no fundo do aquário, e uma pequena planta para o decorar, para já não falar da latinha com comida.
O aquário, com o seu respectivo ocupante, ficavam muito bem na estante que lhe destinei e, como previsto, a minha filhota divertiu-se bastante a ver o peixinho vermelho às voltas no seu confinadíssimo espaço. Naturalmente, quis ser ela a dar-lhe a primeira refeição, tendo despejado quase metade da latinha para dentro de água. Na manhã seguinte, o peixinho boiava inerte, de barriga para cima, e tive que o tirar antes que alguém o visse.
O senhor da loja onde fui comprar um novo peixe explicou-me que a morte se devera ao excesso de comida. «Os peixes», explicou ele, «não conseguem parar de comer. Comem até rebentar».
A minha filha nem deu pela troca. O novo peixe era idêntico ao anterior, provavelmente até eram irmãos.
Infelizmente, apesar de lhe dar apenas a quantidade aconselhada pelo vendedor, o segundo peixe também apareceu morto, uns dias mais tarde.
Quando lá fui reclamar, o senhor da loja explicou-me que «os peixinhos vermelhos são muito delicados e morrem com muita facilidade, sabe-se lá porquê». E rematou: «É por isso que são baratos».
Não me lembro de quanto tempo durou o terceiro peixinho, nem o seu sucessor, mas lembro-me que um belo dia, ou melhor, uma noite de má memória, me vi em sonhos na pele (é uma maneira de falar) do peixinho, flutuando no tempo, imerso num cenário de terror onde tudo parecia desmesurado e deformado. Sim, sonhei que era um peixe encerrado numa esfera de vidro e, de repente, percebi porque morriam tão facilmente os peixinhos vermelhos, pelo que nunca mais quis ter um em casa. À minha filha disse que, na minmha opinião, o peixinho desaparecido devia ter ido para o céu. Ao que ela retorquiu, naquele tom que têm as crianças quando nos querem dizer que não são tão ingénuas como julgamos: «Não sabia que os peixes também podiam voar».
Resumindo, desde essa altura abateu-se sobre mim uma maldição: sempre que tenho uma insónia sinto-me um peixinho encerrado dentro de um aquário minúsculo. Não imaginam como é exasperante; a única coisa a fazer é levantar-me e escrever até voltar a sentir-me humano.

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