quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Os cadernos de Cioran



Acabei de ler os Cahiers de Cioran, que abarcam um período de 15 anos (1957-1972). São mil páginas de tristeza, fúria e desespero, com frases geniais pelo meio. Como esta, por exemplo: «Si je voulais rendre le ton de ce que je ressens, il me faudrait mettre un point d'exclamation après chaque mot». Ou esta: «Toujours la même rengaine: on voudrait s'entretenir avec les anges, et on doit aller dîner en ville...» Podia multiplicar as citações, sublinhei centenas de frases no livro. Mesmo assim apetece-me dizer destes Cahiers, o que ele disse da correspondência entre Martin du Gard e Gide, que foi publicada em dois tomos volumosos: «Porque não fizeram uma seleção das suas notas?» Teria sido tão fácil escolher as observações mais pertinentes e publicar um livro apaixonante. Se me confiassem esse trabalho, teria reduzido essas mil páginas a umas duzentas. Teríamos assim um livro genial, talvez o mais negro e luminoso jamais publicado.

A sensação com que fico, agora que deixei o livro, é a de que convivi durante uma semana com um professor de metafísica. Provavelmente um dos melhores mestres que tive até hoje.

O exemplo de Cioran comprova-o: a lucidez não ajuda a viver, só nos torna mais tristes e desesperados. Outra conclusão que retiro do livro: pensar muito na morte (e ele quase não fez outra coisa durante toda a sua vida), não nos ajuda nem a viver, nem a morrer.
A certa altura, ele escreve: «A verdade é o que precisamos para viver». Ora, como toda a gente sabe, a verdade só chateia. Ninguém quer saber da verdade, neste mundo em que vivemos hoje. De resto, se toda a verdade do mundo viesse ao de cima, morreríamos sufocados na nossa própria merda. A humanidade foi um gigantesco erro de Deus. Como diziam os membros de uma seita religiosa romena citada por Cioran, Deus ele próprio pecou ao criar este mundo.
Como Cioran não se cansa de repetir: o problema não está na morte, está em termos consciência dela. É a nossa consciência que nos mata. A consciência de sermos mortais. Efémeros.
Por outro lado, se não fosse a consciência da morte, talvez o o homem pudesse transformar-se num deus. Ou, no outro extremo, transformar a Terra no Inferno. No verdadeiro Inferno, tal como o descreveu Dante.
Seja como for, a morte é a desculpa para tudo. A maior de todas. É para não pensar nela, que os homens correm atrás da fama, ou que procuram desesperadamente enriquecer e ter poder. A ironia é que quanto mais se tem a perder, mais custa morrer. É um lugar comum, mas que ninguém pratica: o caminho da serenidade, para já não dizer da santidade, é não desejar nada. Mas mesmo nada, nem sequer viver. Se não te importares de morrer, nada te pode atingir, é evidente. E não estou a falar dos suicidas que se matam contra a morte. Que se atiram a ela por raiva. Não porque a desejam, mas porque não a podem ver. Porque não suportam viver com ela às cavalitas. Sim, porque a verdade é esta: todos carregamos a nossa morte às costas. Quando somos jovens, ela é ligeira. À medida que vamos envelhecendo, ela engorda cada vez mais. Ganha peso à nossa custa. A morte é parasita.

Mais tarde

O sentido da vida é só um. É um sentido proibido, tudo o que podes fazer é seguir em frente.

1 comentário:

joana lee disse...

"(...) o caminho da serenidade, para já não dizer da santidade, é não desejar nada. Mas mesmo nada, nem sequer viver."

gostei tanto.
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J

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