Segunda, 9
Escrevo como penso e penso como escrevo: de maneira fragmentada, imperfeita, aos repelões. Muita merda e, de repente, um raio de luz. Um trovão silencioso. Como este pensamento que me abalou dos pés à cabeça: «Nem crente, nem ateu, que sou eu?»
Mais tarde
A minha prosa é como eu: pele e osso. Só me interessa o essencial. Detesto a palha, o ornamento e até o estilo. O único estilo aceitável para mim é a clareza.
Terça, 10
De manhã
Todas as manhãs, às cinco e meia, o despertador. Todas as manhãs é preciso voltar a aprender a viver.
Despertador. Desperta dor. Que nome tão certo. Mal despertas, começas a sofrer.
Quando cheguei à cozinha, já a Raquel estava a tomar o pequeno-almoço. Quando me viu, desabafou: «O meu cérebro ainda está a fazer restart».
À tarde
Carta da Segurança Social. Afinal o subsídio de desemprego é só por dois anos. O que quer que façamos da nossa vida, vamo-nos sempre arrepender de não ter feito outra coisa.
Quarta, 11
Mora ida e volta com Zé Solano. Almoço em Cabeção. Fotos na estrada. Sol radioso. Um dia bem passado.
A agência da Caixa Geral de Depósitos de Mora é agora uma loja chinesa. O padeiro é um ucraniano, enorme, de olhos azuis, que não fala português. É, sem dúvida, isto a globalização.
Mais tarde
Cioran: «Desconfia dos que te imitam». Acrescento: «Dos que te copiam também».
Quinta, 12
Depois de mais uma noite de insónia
Não vale a pena pensar na morte. É mesmo a última coisa em que se deve pensar. Há tempo para isso. Mas devemos ter sempre presente que a vida é um presente que vamos ter que devolver.
Há imensas vantagens em estar morto. Tenho que me lembrar disto mais vezes.
Mais tarde
Quando o mundo desaparecer, ninguém vai dar por nada.
Sexta-feira, 13
Por vezes ando, ando, ando, percorro quilómetros a pé para me provar que estou vivo. Para que o mundo faça dos meus olhos o que quiser.
Se quero ver tudo é porque me quero sentir por inteiro.
Pensamentos avulso. Ocasionais. A minha especialidade. A minha sina?
À noite
Para aproveitar o melhor possível a vida, não se pode pensar na morte (que de resto é impensável). Nem sequer no tempo que passa. De resto, o tempo não passa: nós é que passamos por ele. Tão depressa e tão devagar...
Cioran via na angústia uma «memória» do futuro. Na angústia «vemos», «sentimos» o que nos espera. Ou o que nos poderá acontecer. Na verdade, temos sempre razão de esperar o pior. Ele acabará inevitavelmente por acontecer.
Sábado, 14
Três exposições num dia, tal como no sábado passado.
Na Cordoaria: «O Surrealismo na coleção da Fundação Cupertino de Miranda» onde estão cerca de 230 obras de nomes tão diversos como Teixeira de Pascoaes, Risques Pereira, Eurico da Costa, Cruzeiro Seixas, Cesariny, António Maria Lisboa e Mário Henrique Leiria, entre outros. Como tudo aquilo parece tão «naïf» hoje em dia!
No CCB: «Não te posso ver nem pintado», uma exposição que propõe um percurso por alguma pintura figurativa dos últimos 50 anos; e «A Intuição e a Estrutura» que põe em confronto (ou em diálogo) obras de Maria Helena Vieira da Silva e Joaquín Torres-Garcia. Numa como noutra, noventa por cento não vale nada, ou quase nada. Mas os restantes dez por cento valem bem a visita.
Sempre que saio de uma exposição, apetece-me pintar. Sempre que saio de um concerto, mortifico-me por não ter aprendido música. Sou um eterno frustrado.
Domingo, 15
Ninguém me convence do contrário: quando sonho descubro segredos e desvendo mistérios dos quais me esqueço invariavelmente ao acordar.
Toda a gente tem uma ideia errada de mim. É inevitável. É uma das razões pelas quais gostaríamos que Deus existisse: para repor a verdade sobre nós. Sobretudo junto das pessoas que amamos.
Quanto a mim, amo os meus defeitos e detesto as minhas virtudes. Entendam-no como quiserem.
Mais tarde
Cioran uma vez mais: «A avareza não é talvez senão uma forma de angústia.»
domingo, 15 de fevereiro de 2009
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