terça-feira, 31 de março de 2009

Avedon em Amesterdão







Adorei a exposição Richard Avedon que está na Foam em Amesterdão. Uma coisa é conhecer as fotografias pelas revistas e os livros, outra muito diferente é vê-las penduradas numa parede, numa impressão controlada pelo seu autor, no formato que ele escolheu. O que mais impressiona neste impressionante conjunto de cerca de 200 imagens realizadas entre 1964 e 2004 (é a primeira grande retrospectiva da sua obra que se faz depois da sua morte) é o despojamento: as fotos são todas a preto e branco, com um fundo branco, ou voluntariamente neutro, para que o retratado se destaque ao nosso olhar. Tudo está aqui no rosto e na pose. Nos olhos, mas também nas mãos, nas rugas, nas sardas ou no penteado e, muitas vezes, na postura. Avedon citava como principais influências estéticas pintores como Rembrandt e Egon Schiele e percorrer a mostra é perceber porquê.
Retratista sui generis, o fotógrafo norte-americano (nascido a 15 de Maio de 1923 em Nova Iorque, no seio de uma família de pequenos comerciantes judeus) dizia que com os seus retratos não procurava a semelhança, mas uma espécie de ficção. Para ele, um retrato não passava de uma opinião. Ou seja, não correspondia à ideia que a pessoa tinha de si, mas à ideia que Avedon se fazia dessa pessoa que «lia» através da lente. Por isso, afirmava que uma foto é sempre exacta, pois todas as fotografias são rigorosas, embora nenhuma delas revele a verdade.
Na verdade, também eu creio que a verdade não existe e muito menos em fotografia; apenas existem visões, ou opiniões. Ou seja, ficções. Um fotógrafo utiliza um aparelho de precisão que, paradoxalmente, trabalha com ilusões (ideias preconcebidas ou miragens). O que eu vejo não é nunca o mundo, mas sim o meu mundo. O mundo (ou a realidade, se preferirem) é o que vai desfilando aos meus olhos, ou nos meus sonhos. Dos sonhos, contudo, que são uma importante parte da nossa realidade, não podemos trazer retratos. O que é pena, porque nos sonhos, frequentemente, uma pessoa são várias pessoas e nós mesmos somos nós e outros e seria fascinante poder traduzir isso em fotografias. Quem sabe desenhar tem, assim, uma imensa vantagem, pois pode procurar fazê-lo, o que muito invejo.
Como eu, talvez Avedon procurasse ver-se nos olhos das pessoas que fotografava, não tal como é, mas como os outros o viam, já que somos todos reflexos deformados uns dos outros.
Desse ponto de vista, talvez a série mais impressionante de toda a exposição é a que retrata o pai pouco tempo antes de morrer. Esse pai que ele fotografou até à morte, a partir do momento que soube que ele estava condenado por um cancro. Desse pai que, de alguma maneira, ele «suicidou» com as suas fotografias, sabendo que ele próprio estava condenado (é sempre uma questão de tempo) e imaginando, porventura, como seria quando chegasse a sua hora.
A sua hora chegou em 2004, aos 81 anos. Foi um AVC que o tramou, enquanto estava a cobrir as eleições americanas para a revista «New Yorker». Como diria Roberto Calasso, cujas palavras estou deliberadamente a deturpar: «a elegância do seu olhar estético mantém viva uma necessidade básica do homem: evitar que os espelhos se partam».

PS - A exposição da Foam reúne retratos tirados entre 1946 e 2004 e ficará em Amesterdão até ao próximo dia 13 de Maio.

1 comentário:

joana lee disse...

também não resisti a escrever qualquer coisa sobre esta maravilhosa exposição :)

cheios de saudades como não poderia deixar de ser.

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