segunda-feira, 6 de abril de 2009

Ficção rápida

ELA: Afinal do que é que estás à espera?»

ELE: Isso gostava eu de saber.

ELA: Não respondas assim. Não podes responder assim. Seria demasiado fácil.

ELE: Toda a vida procurei soluções de facilidade.

ELA: Soluções de facilidade! Curiosa expressão.

ELE: É como «curiosa expressão». Não achas curiosa a expressão «curiosa expressão»?

ELA: Lá estás tu a brincar com as palavras.

ELE: Mais uma expressão engraçada: «brincar com as palavras.»

ELA: Estás a fugir à questão.

ELE: Estás a ver? É impossível não brincar com as palavras. Pensa bem no que acabaste de dizer.

ELA: O quê?

ELE: Fugir à questão. Brincar com as palavras. Soluções de facilidade. Com tantas expressões sugestivas, como farão os outros para não serem poetas? ... Ou escritores?

ELA: Brincar com soluções de facilidade, colocar questões mas a fugir das respostas... Foi isto que andaste a fazer toda a vida.

ELE: E tu? Como tens gasto a tua?

ELA: Tive três filhos. Vou deixar a minha marca no mundo.

ELE: Uau!

ELA: Achas pouco?

ELE: Não. Três filhos é obra, tenho que concordar.

ELA: É melhor do que os dois ou três livros que escreveste e quase ninguém leu.

ELE: Que sabes tu disso?

ELA: Sei tanto como isto: um filho vale mais do que qualquer livro.

ELE: Não escrevi dois ou três livros, escrevi pelo menos quatro.

ELA: Pelo menos? Nem sequer sabes exactamente quantos livros escreveste?

ELE: Sete, oito, vinte, que interessa? No fundo não escrevemos senão um único livro, toda a vida.

ELA: Mais me ajudas.

ELE: Como assim?

ELA: Uma vida inteira para escrever um único livro. Não achas um desperdício?

ELE: Afinal também jogas com as palavras!

1 comentário:

Marta Rema disse...

fez-me lembrar o nanni moretti! le parole son importanti e ele com a mão no peito como se tivesse sido acometido de uma grande dor ao ouvir a palavra 'kitsch' e depois aos estalos à mulher :-)

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