quinta-feira, 16 de abril de 2009

Uma lição de vida




Leio: «As coisas não são tão apreensíveis nem tão dizíveis como nos querem fazer crer; quase todos os eventos são inefáveis, desenrolam-se num espaço onde as palavras nunca entram, e os mais inefáveis entre eles são as obras de arte, existências misteriosas cuja vida, ao lado da nossa que se perde, perdura». Como não ficar imediatamente agarrado a esta leitura? Tinha lido Cartas a um Jovem Poeta de Rainer Maria Rilke há muitos, muitos anos (quando era eu próprio um jovem poeta). Tudo o que recordava do texto é que era muito interessante (lembrava-me especialmente da frase: «... pergunte a si próprio se morreria caso fosse impedido de escrever»). Mas tive um choque agora, ao relê-lo. Não é apenas interessante, é muito mais do que isso: uma verdadeira lição de vida e poesia!
O livro ficou todo sublinhado. São bons conselhos atrás de bons conselhos, muitos dos quais segui felizmente ao longo da existência, ou porque tinha ficado inconscientemente impregnado deles, ou porque relevam do puro bom senso e da simples inteligência.
Apetece transcrever tudo. Ouça-se esta frase, por exemplo: «Escave dentro de si próprio até encontrar uma resposta profunda». Quem não sabe que o deve fazer? Mas quantas pessoas o fazem realmente? Mais adiante, Rilke especifica: «... não há perturbação mais violenta do que olhar para fora e esperar respostas exteriores a perguntas a que talvez só a sua sensibilidade mais íntima, nas horas de maior silêncio, poderá responder». Noutra altura dirá: «Viva agora as perguntas. Aos poucos, sem o notar, talvez dê por si um dia, num futuro distante, a viver dentro da resposta».
Na terceira carta (são dez no total, todas relevantes, escritas num peródo de cinco anos, de 1903 a 1908), Rilke afirma: «A obra de arte é de uma solidão sem fim, e nada está mais longe de tocá-la do que a crítica. Só o amor poderá compreender e sustentar e fazer justiça a uma obra de arte». Não podia concordar mais; se há coisa de que me arrependo na vida é de ter a certa altura exercido a profissão de crítico.
Muito belas e igualmente profundas são as suas meditações sobre a solidão (considera-a a casa ou o abrigo de onde partem todos os caminhos), a tristeza (quando alguma coisa nova e desconhecida entra em nós para nos mudar) e o amor (que vê como uma partilha de pessoas que se protegem, delimitam e saúdam)..
«Estamos dentro da vida como dentro do elemento a que mais correspondemos», diz o autor das Elegias de Duíno e dos Sonetos a Orfeu, para assegurar mais adiante: «... dentro de nós corre sem parar o sangue dos nossos antepassados, que se cruza com o nosso para dar forma ao ser único e irrepetível que somos em cada volta das nossas vidas». Acreditem no que vos digo: não têm nada mais urgente para fazer nas vossas vidas do que ler, ou reler, este pequeno livrinho!

1 comentário:

Odracir disse...

Fui logo à estante procurá-lo...!

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